Conferência dos Oceanos reunirá líderes na França na próxima semana

AGÊNCIA BRASIL
Cerca de 100 chefes de Estado e governo, além de 30 mil cientistas e representantes da sociedade civil de vários países se reúnem em Nice, no litoral sul da França, para a terceira Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, que começa na segunda-feira (9). O objetivo do encontro é fortalecer a governança global e acelerar a implementação do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14, que prevê a conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos.
A França, coorganizadora do evento deste ano, junto com a Costa Rica, estabeleceu oito prioridades para a conferência, entre elas atingir o mínimo necessário de ratificação por 60 países para que o Tratado de Biodiversidade em Áreas Além da Jurisdição Nacional (BBNJ), também conhecido com o Tratado do Alto-Mar, que regulamenta o uso das chamadas águas internacionais.
O tratado foi concluído em setembro de 2023 depois de 20 anos de negociações e assinado por 116 países, inclusive o Brasil. No entanto, segundo a organização internacional High Seas Alliance, apenas 31 deles ratificaram o acordo, que, para entrar em vigor, precisa de pelo menos mais 29 ratificações.
Ainda de acordo com a High Seas Alliance, o Brasil é um dos países que ainda não ratificaram o tratado. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, está em visita oficial à França e participará da abertura da conferência.
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Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o enviado da Presidência da França para a conferência, o diplomata Olivier Poivre D’Arvor, afirmou que o governo francês espera aproveitar o encontro de líderes, em Nice, para garantir o compromisso de ratificação de outros países.
“Não se tem controle sobre 50% da superfície global, ou seja, 64% dos mares. O BBNJ ainda não foi ratificado e a gente espera que, até o fim deste ano, possamos ratificá-lo”, afirma D’Arvor.
Conhecimento
Outra prioridade francesa é ampliar o conhecimento científico acerca dos oceanos para que, com base nisso, possam ser tomadas decisões para sua conservação. Entre as iniciativas que serão lançadas em Nice está a missão Neptune, que passará 15 anos explorando cientificamente os mares de todo o mundo.
“Será uma vasta missão de exploração global dos oceanos pelos próximos 15 anos. Vários países da Europa e também Índia e China vão embarcar nessa missão. Vamos apresentar esse projeto ao presidente Lula também e gostaríamos que o Brasil fosse parte dessa missão. Então o primeiro resultado da conferência para a gente é claramente conhecimento”, afirmou D’Arvor.
Um centro de pesquisas intergovernamental, chamado Mercator, sediado na França, também será apresentado. O instituto reunirá dados e recursos tecnológicos para auxiliar no entendimento dos oceanos. Entre as plataformas do Mercator está o EU Digital Twin Ocean, um oceano virtual onde poderão ser testados cenários sobre os mares globais.
Outra ferramenta científica a ser apresentada na conferência é o Starfish Barometer, um relatório anual sobre o estado dos oceanos, as pressões humanas sobre eles e seus impactos na sociedade.
“Nesses cinco dias em Nice, nosso objetivo principal é primeiro conhecer os oceanos. É difícil proteger alguma coisa se você não a conhece. E, na verdade, a gente sabe muito pouco sobre eles”.
Outras prioridades são a promoção da pesca sustentável, a proteção de 30% do oceano até 2030, a descarbonização do transporte marítimo, o combate à poluição plástica, a mobilização de financiamento para a economia azul sustentável e a governança regional para enfrentar os impactos da elevação do nível dos mares a comunidades costeiras.
Mudanças climáticas
Os oceanos são fundamentais para manter o equilíbrio climático no planeta. Por outro lado, eles também estão sofrendo com as mudanças climáticas. Uma quantidade significativa de calor da atmosfera é absorvida pelos oceanos, causando seu aquecimento e ameaçando sua biodiversidade.
Esses impactos, que podem dizimar recifes de corais, causar desequilíbrios ecossistêmicos e extinguir espécies mais sensíveis a mudanças ambientais, também serão sentidos diretamente pela humanidade, uma vez que está prevista uma elevação do nível dos oceanos. D’Arvor explica que não será possível evitar esse aumento do nível dos mares, mas existe a possibilidade de se adaptar a isso.
“Se adaptar é ter uma visão, não nacional ou global, mas uma perspectiva local e regional. Então é muito importante não apenas para chefes de Estado, mas também para prefeitos e governadores. Provavelmente teremos que mover algumas cidades, como é o caso da Indonésia, com sua capital Jacarta. Provavelmente muitas cidades do Brasil serão afetadas. Há alguns exemplos de cidades como Veneza e Nova York, onde algo poderá ser construído contra a elevação do nível do mar [como diques na entrada de rios e baías]. E há exemplos de populações que terão que ser movidas três ou quatro quilômetros para longe do mar”, destaca o representante francês.
Outro impacto das mudanças climáticas nos oceanos são alterações em correntes marinhas. Pesquisas mostram, por exemplo, indícios de modificações na Circulação de Revolvimento Meridional do Atlântico (Amoc), um importante sistema de correntes marinhas, responsável por levar água quente ao Ártico e trazer água fria para os trópicos.
Cientistas acreditam que o derretimento acelerado de geleiras na Groenlândia tem desequilibrado o funcionamento da corrente. Um possível enfraquecimento, ou até mesmo colapso desse sistema, provocará desequilíbrio climático em todo o mundo, principalmente nos continentes atlânticos, como a América do Sul e a Europa.
“O colapso da Amoc é uma ameaça enorme. Infelizmente não há nada a se fazer. Temos apenas que observar essa situação que é absolutamente dramática. Talvez precisemos confiar na ciência, porque os cientistas nos alertaram sobre esse fenômeno, mas provavelmente é muito tarde para evitar isso”, lamenta D’Arvor, que também é embaixador da França para os Polos e Assuntos Marítimos.
Segundo ele, é importante usar a Conferência dos Oceanos como uma preparação para a COP-30, que será realizada em novembro, em Belém.
“A gente tem que trabalhar juntos na biodiversidade, nos oceanos e no clima. Nosso objetivo é realmente preparar Belém para a questão dos oceanos. Os oceanos são um depósito de carbono e é por isso que nos opomos à ideia de mineração do fundo dos mares. Se você começar a escavar esse depósito de carbono [no fundo dos mares], há risco de isso parar na atmosfera. Então vamos tentar ser um pré-COP-30 muito ativo”.
Petróleo
A mineração em águas profundas é uma atividade relativamente recente, mas bastante controversa. Alguns países já se movem na direção da extração de minérios do leito dos oceanos. Mas outro recurso encontrado, principalmente, no subsolo dos mares vem sendo apontado como um dos principais responsáveis das mudanças climáticas: o petróleo.
A queima de combustíveis fósseis, entre eles o petróleo, lança diariamente toneladas de dióxido de carbono na atmosfera, colaborando para o aumento de sua temperatura. Este gás absorve o calor, evitando que ele escape para o espaço, ou seja, que ele saia da Terra.
D’Arvor reconhece que é difícil, para os países que dependem dos recursos de combustíveis fósseis, abandonar a extração de petróleo, mas diz que não é possível continuar no ritmo atual.
“Se a gente tem a consciência de que não pode continuar assim porque, claro, é um suicídio, então a gente tem que definir juntos uma agenda de transição. Não uma agenda impossível de ser feita, mas algo realista. Algo como abandonar a energia fóssil em 20 anos e desenvolver energia renovável. Nesse momento, metade dos recursos dos oceanos, em termos financeiros, vem do combustível fóssil. Então sei que não é fácil para países como o Brasil ou a Arábia Saudita. Temos que claramente mudar nossos modelos econômicos”.
Em 2017, a França aprovou a chamada Lei Hulot, que, entre outras medidas, proibiu novas frentes de exploração e produção de petróleo em seu território e o encerramento, até 2040, das atividades petrolíferas já em andamento.
As descobertas de grandes reservas de petróleo na Guiana e Suriname e a expectativa em relação à Bacia da Foz do Amazonas têm levado a pressões para que a França reveja a lei, uma vez que seu território sul-americano, a Guiana Francesa, está localizado justamente entre Suriname e o Amapá.
Em fevereiro deste ano, o ministro francês para Territórios Ultramarinos, Manuel Valls, defendeu a reabertura de frentes de exploração de petróleo na Guiana Francesa. O ministro de Energia, Marc Ferracci, e a ministra de Transição Ecológica, Agnès Pannier-Runacher, se opuseram à proposta.
“Essa é uma questão do ministro de Energia na França e de uma discussão com seus colegas do Suriname e de outros países. Mas isso é algo que será discutido em Nice. Não posso dizer qual será a decisão final, mas isso é algo que está sobre a mesa e haverá uma ocasião para que cada país desenvolva seus argumentos”, disse D’Arvor.
Trump
O diplomata francês também lamentou a ausência do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em Nice, na próxima semana.
“Para mim é difícil entender, porque os Estados Unidos, um país que amo tanto, decidiu recusar as evidências da ciência. O senhor Trump infelizmente não estará em Nice, onde ele seria muito bem-vindo”, afirmou D’Arvor. “Estou certo de que, em alguns anos, os Estados Unidos estarão de volta. De qualquer forma, somos [a comunidade internacional] suficientemente importantes e numerosos para tomar decisões importantes para os oceanos”.
Apesar da ausência de Trumpo, D’Arvor afirmou que a França está orgulhosa em receber outros chefes de Estado, como o primeiro-ministro da Groenlândia, país afetado pelo derretimento de geleiras, Jens-Frederik Nielsen, e o presidente brasileiro.
“Estamos muito orgulhosos de ter na conferência o líder do seu país, presidente Lula, como chefe de Estado de um grande país que está lutando contra muitas questões climáticas globais, assim como contra problemas na Amazônia, e que está conosco na coalizão dos oceanos para o futuro”.
A Conferência dos Oceanos se estende até a próxima sexta-feira (13). As duas conferências anteriores foram realizadas em Nova York, nos EUA (em 2017), e em Lisboa, em Portugal (em 2022).