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"Cadê minha mãe, vovó?": dor e saudade marcam 1 ano de chacina em Camaragibe





A dor e a saudade fazem parte da rotina diária da dona de casa Izelma Carias Viana, de 37 anos, e do marido, Carlos Augusto da Silva, 40. Eles são os pais de Ana Letícia Carias, a mulher grávida que morreu em meio a uma troca de tiros entre policiais militares e um vizinho, no bairro de Tabatinga, em Camaragibe, no Grande Recife. Quase um ano depois, eles seguem tentando unir forças para cuidar das duas netas, que perderam a mãe de forma precoce.

"Para mim está sendo difícil. É muita saudade, me faz muita falta. Era uma mãe que deixou duas filhas. A mais velha, de 4 anos, só vive perguntando: 'Cadê minha mãe, vovó? Não sei o que dizer para ela", contou Izelma, no dia que recebeu a reportagem do JC na residência da família, na mesma área onde momentos de terror foram vividos na noite de 14 de setembro de 2023.

Naquele dia, os PMs Eduardo Roque Barbosa de Santana, 33, e Rodolfo José da Silva, 38, foram acionados para uma ocorrência de disparos de arma de fogo. Ao chegarem ao local, entraram em confronto com o vigilante Alex da Silva Barbosa, 33, que matou os militares. Ana Letícia, que tentou impedir os tiros para evitar que a filha fosse baleada, acabou atingida na cabeça.

A investigação da Polícia Civil, concluída na semana passada, apontou que Alex foi o autor do tiro que atingiu a jovem de 19 anos.

As mortes dos PMs resultaram numa verdadeira caçada ao Alex, que resultou não só no assassinato dele, mas também de três irmãos, da mãe e da esposa do vigilante. A violência policial ficou conhecido nacionalmente como a Chacina de Camaragibe.

Mesmo em estado grave, no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), na área central do Recife, Ana Letícia deu à luz uma menina no dia 2 de outubro. Dezenove dias depois, a jovem faleceu.
RECOMEÇO E PEDIDO DE INDENIZAÇÃO

Com morte de Ana Letícia Carias, avós cuidam das duas filhas dela - Guga Matos/JC Imagem

Izelma, que trabalhava como diarista, precisou deixar o emprego para cuidar das duas netas. "A mais nova nasceu com muitos problemas. Tem microcefalia e paralisia cerebral. Preciso ficar levando ela para os médicos, para tratamentos. Passamos por muita dificuldade", afirmou.


Carlos Augusto está desempregado. A família vive com a renda de um salário mínimo, garantido por Benefício de Prestação Continuada (BPC) de um filho do casal.

Com poucas palavras, Carlos falou da saudade que sente da filha. "É muito difícil. A gente procura por uma pessoa que não está mais aqui", disse. Sobre a nova rotina, dedicada aos cuidados com as netas, ele pontuou que "a gente vai fazer o que puder por elas".

O casal está sendo acompanhado pela advogada Aline Maciel. Segundo ela, uma ação judicial está sendo preparada para que o governo estadual seja obrigado a indenizar a família de Ana Letícia. "Mesmo com o resultado do inquérito policial apontando que o tiro que atingiu Letícia foi feito pelo Alex, a responsabilidade do Estado não muda", declarou.



"Os policiais invadiram a casa, atiraram, participaram de um confronto com Alex. Se isso não tivesse ocorrido, Ana Letícia estaria viva. Por isso, o Estado tem responsabilidade pela morte. Vamos acionar a Justiça porque a família precisa ser indenizada", afirmou.

VÍDEO: CONFIRA DESABAFO DOS PAIS DE ANA LETÍCIA

CAÇA A ALEX E CHACINA DE FAMILIARES

Após as mortes dos dois policiais militares, colegas de fardas deram início a buscas por Alex. Um adolescente de 14 anos, primo de Ana Letícia, chegou a ser torturado e atingido com um tiro na cabeça no momento em que fazia o socorro da vítima. Ele sobreviveu e, em depoimento, culpou PMs pela violência.



As investigações do Ministério Público indicaram que, na madrugada do dia 15 de setembro, uma reunião comandada por oficiais da Polícia Militar, nas proximidades da Faculdade de Odontologia de Pernambuco, teria ordenado a chacina.

Na mesma madrugada, foram executados a tiros três irmãos de Alex, identificados como Ágata Ayanne da Silva, 30, Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25. Ágata chegou a transmitir ao vivo, por meio do Instagram, o crime. Ela e Amerson morreram na hora. Apuynã faleceu após ser socorrido e encaminhado para o Hospital da Restauração, no Recife.

O inquérito dessas três mortes foi concluído em março deste ano. O GOE indiciou cinco praças da PMs. Mas o MPPE decidiu denunciar nove praças e três oficiais - incluindo o então comandante do 20º Batalhão, o tenente-coronel Fábio Roberto Rufino da Silva, e Marcos Túlio Gonçalves Martins Pacheco, que ocupava o segundo posto de comando da inteligência da PM.

Os oficiais teriam acompanhado, em tempo real, por meio de mensagens de aplicativo, o desenrolar das perseguições, torturas e mortes de familiares do vigilante.

Dos 12 PMs que viraram réus por triplo homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e sem chance de defesa das vítimas), cinco foram presos preventivamente. Sete foram afastados das funções públicas por determinação da Justiça. Ainda não há prazo de julgamento.



Transcrições de diálogos, reveladas com exclusividade pela coluna Segurança, mostraram que policiais comemoraram mortes de parentes de Alex. "Tô feliz, tem que ser assim", disse um dos militares em mensagens obtidas pelo MPPE por meio de quebra dos sigilos telefônico e telemático de parte dos investigados.

Ainda na madrugada do dia 15, segundo a investigação, a cunhada de Alex estava chegando em casa, com as duas filhas de 10 e 11 anos, quando cinco militares, usando um carro sem placas, fizeram a abordagem ao veículo de aplicativo.

"Por acreditarem que esta era a parente de Alex que possivelmente daria 'o cavalo' (fuga) a ele, fizeram-na descer do veículo, onde ficaram sozinhas as duas crianças no seu interior", revelou a denúncia do MPPE.

"Todos fortemente armados, passaram a torturar psicologicamente a referida mulher, causando-lhe forte sofrimento psíquico, através de coações e ameaças, a fim de obter informações relativas a Amerson (Juliano da Silva, irmão de Alex), seu esposo, no intuito de fazer com que este se dirigisse até o local, levando consigo o seu irmão Alex, quando então seria efetivado o plano de uma emboscada para matá-los", pontuou a denúncia.

O motorista de aplicativo, sem qualquer relação com o caso, também teria sido torturado física e psicologicamente.

A tortura sofrida pela mulher e pelo motorista foi investigada em um inquérito policial militar. Os mesmos 12 PMs viraram réus por tortura. Eles respondem perante a Vara de Justiça Militar.

Na manhã do dia 15, os corpos da mãe de Alex, Maria José Pereira da Silva, e da esposa dele, Maria Nathalia Campelo do Nascimento, 27, foram encontrados num canavial em Paudalho, na Zona da Mata Norte do Estado. Essa investigação é a última que falta a Polícia Civil concluir.

Na mesma manhã, Alex foi encontrado por policiais militares e houve uma troca de tiros. O vigilante acabou morto. A investigação foi arquivada pela Justiça porque houve legítima defesa.




Fonte: https://jc.ne10.uol.com.br/