“Um dos bandidos tem o ouvido tão bem treinado que ele consegue abrir cofres analógicos só ouvindo o som que o girar dos números faz. Além disso, eles furtam exclusivamente dinheiro e joias. Desse modo, eles não saem dos apartamentos com bolsas e mochilas que possam despertar atenção”, descreveu Gustavo Barletta, delegado do Depatri-MG.
De acordo com as investigações, no esquema da quadrilha, os suspeitos mais velhos eram colocados para executar funções de motorista para fuga e receptador, enquanto os jovens invadiam os apartamentos. Por isso, eles precisavam ser orientados pelos criminosos da alta cúpula e mais experientes, que sempre buscavam novos integrantes para “renovar” a quadrilha.
“É bom deixar claro que esse grupo possui cerca de 300 pessoas que furtam casas de luxo usando a mesma estratégia. Contudo, esses bandos, que atuam pelo Brasil afora, são independentes. Com o mesmo modo de agir fazem os furtos por conta própria”, esclareceu.
Na análise do especialista em segurança pública e professor de ciências sociais da PUC Minas Luis Flávio Sapori, tamanha organização e preparo mostram que o “Bonde dos Menores” não é um grupo criminoso qualquer. “Esse tipo de crime não é tão comum, justamente porque precisa de uma expertise muito grande, muita capacidade de planejamento e conhecimento sobre os alvos. Não é qualquer ladrão que realiza esse tipo de ação, principalmente porque os sistemas de vigilância de prédios de luxo estão muito avançados”, avalia.
Coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente afirma que, para combater esse tipo de quadrilha, é necessário um trabalho de inteligência mais integrado entre as polícias dos país. “Essa troca de Estados (para agir) normalmente é uma ação característica de criminosos envolvidos com tráfico de drogas, organizações grandiosas. Por isso, é importante ter essa troca de informações entre as polícias. No geral, isso ainda acontece pouco”, conclui.
Mulher integra grupo, diz polícia
Delegado do Depatri-MG, Gustavo Barletta aponta Paola Carita Gobel, de 31 anos, como uma das envolvidas no “Bonde dos Menores”. “Ela foi a responsável por passar grande parte do modo como o grupo age. Ela chegou até a fazer algumas identificações”, diz o delegado. Segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Paola foi condenada em 25 de março de 2024 a 3 anos de reclusão por furto qualificado. No entanto, por ela ser ré primária e não ter usado de violência, a pena foi reduzida a multa de dois salários mínimos e prestação de serviço. Ela pode recorrer em liberdade.
Consta no processo que, em depoimento à Justiça, Paola confessou que no dia 26 de outubro de 2022 invadiu um apartamento de luxo no bairro Luxemburgo, na região Centro-Sul de BH, para furtar. As vítimas dizem que joias e até armas foram levadas. O material estaria avaliado em cerca de R$ 1 milhão. Em seu depoimento, a acusada também alegou que seu companheiro devia drogas e ela foi ameaçada para participar do furto. Segundo a Justiça, Paola é suspeita de outros furtos em São Paulo.
Opção é por menores de idade
Assim como toda a preparação para o crime e a execução sem nenhum tipo de violência, outra ação do bando é a escolha de menores de idade para invadir as casas e roubar os bens das vítimas. As investigações indicam que essa estratégia tinha como objetivo evitar que os integrantes mais velhos do bando fossem presos, além de minimizar as “perdas” de integrantes do grupo, já que a pena para menores nesse tipo de crime, pela legislação, é menos rigorosa.
“Eu acho que são dois aspectos. O primeiro é que o menor vai ter uma punição criminal mais branda. E segundo que, claro, o menor consegue enganar melhor os porteiros, não mostrando muitas vezes um ar de ser uma ameaça do que o maior de idade”, analisa Rafael Alcadipani, professor Titular da EAESP-FGV e associado pleno ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Advogado criminalista e presidente da Comissão de Processo Penal da OAB-MG, Négis Rodarte explica que o furto qualificado prevê uma penalidade de dois a oito anos de reclusão, mas, se for cometido por adolescente, trata-se de ato infracional, cuja penalidade envolve desde advertência até internação, a depender da gravidade do ato.
O que diz a Polícia Civil de MG
Por meio de nota, a Polícia Civil de Minas Gerais informou que há troca de informações entre a corporação e a Polícia Civil de São Paulo e que foi isso que viabilizou a identificação da maior parte dos envolvidos no grupo criminoso que agiu em Minas Gerais. Ainda conforme a polícia mineira, essa troca de informação é constante também com as corporações de outros Estados.
Ainda de acordo com a Polícia Civil mineira, a identificação e a repressão do crime vêm acontecendo, mas, como se trata de uma modalidade em que, via de regra, não há violência ou grave ameaça à pessoa, tem sido muito difícil obter a decretação da prisão desses indivíduos e mantê-los presos.
Defesa
A reportagem o jornal o Tempo tentou entrar em contato com a defesa de Paola Gobel, mas não conseguiu localizar seu representante.
Fonte: O Tempo