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Ivan Cineminha, o maior cinéfilo da Terra



 

O cinema é um modo divino de contar a vida.

 Federico Fellini

O cinema foi criado na França, evoluiu nos Estados Unidos, mas foi em Picuí que surgiu o seu maior apreciador, o cinéfilo número 1 do mundo. O seu nome é Ivan Araújo Costa, nascido em 1945, cinquenta anos após a primeira exibição cinematográfica.

Provavelmente não existe no mundo pessoa que tenha visto tantos filmes e se lembrado de todos eles. É algo tão insólito que pede uma compreensão de como a terra picuiense contribuiu na sua formação.

O cinema chegou ao interior do Nordeste através de exibidores itinerantes. Corria o ano de 1952 e já fazia algum tempo que aparecia em Picuí um pessoal de fora promovendo o cinema.

Jô Soares 11:30 com Ivan CineminhaO pai de Ivan, Rafael Costa, vendia sapatos, mas gostou tanto da novidade que se interessou pelo “negócio de passar filmes”, quando o exibidor quis vender o projetor e demais maquinários.

Comprados os equipamentos, aprendeu a manejá-los e iniciou a primeira fase do cinema fixo em Picuí, criando-se um cenário lembrado com nostalgia, como o passeio na rua 24 de Novembro e o som mavioso da valsa Danúbio Azul.

Ele começou a ajudar o pai nos afazeres do Cine Guarany com sete anos de idade, colando cartazes e criando letreiros, de um jeito muito parecido com o singelo “Totó” do Cinema Paradiso.

Como aquele personagem mirim, a sua relação com o cinema foi uma espécie de “amor ao primeiro filme”. Por sorte, logo no início ele adquiriu o hábito de escrever num caderno o nome e a ficha técnica das películas assistidas. Ao longo das décadas estes apontamentos foram se acumulando, atingindo números incríveis, transformando-se em documentos de consulta e de prova da sua frequência inusual nas salas de cinema.

Quando seu pai se mudou com a família para João Pessoa no final de 1956, mirava a educação dos filhos. Tinha esperança que Ivan deixasse de ver filmes e se preocupasse com os estudos.

Contudo, como naquele tempo existiam treze salas de cinema em João Pessoa, as opções se multiplicaram e ele não mudou sua rotina. O resultado foi que os quase 600 filmes vistos em Picuí, tornaram-se 15 mil em 2015! O codinome “Cineminha” veio naturalmente quando ele tinha quinze anos de idade e cursava o ginásio no Liceu Paraibano.

Nesse tempo faltava as últimas aulas da quinta-feira, porque não perdia as sessões vespertinas, dobradas e mais baratas. Na hora da chamada, alguém respondia que Ivan tinha saído para o cinema, explicando em seguida que ele era o “cineminha” e esse nome pegou. A professora ficou tão curiosa que marcou uma reunião somente para conhecer aquele aluno, um ausente contumaz.

Sua predileção são os filmes dos anos 1960, especialmente pelos estrelados por Elvis Presley. Também é um fã fervoroso dos poucos longas rodados com os The Beatles. Como os filmes em geral passavam no Recife muito antes de chegarem a João Pessoa, ele costumava viajar ao Estado vizinho para assisti-los com antecipação.

Enquanto os cinemas de bairro iam sumindo, a sua fama de cinéfilo incomparável foi se espalhando, sobretudo por sua memória atilada, capaz de recordar todos os milhares de filmes que viu, em especial aqueles da Era de Ouro do Cinema. Ao ser entrevistado por Jô Soares (1995), ganhou notoriedade nacional.

Diante do perspicaz entrevistador, ele foi brilhante nas suas respostas e réplicas, deixando todo mundo admirado com o seu extenso conhecimento dos filmes de todas as épocas.

A ida ao Programa do Jô foi seguida por um amplo reconhecimento do seu valor para a Sétima Arte e o início de experiências inesquecíveis. Começou sendo entrevistado pela revista SET, considerada a mais importante publicação brasileira sobre cinema de todos os tempos. Em seguida, recebeu de Luciano Vanderley, lendário dono de salas de exibição, passe livre para requentá-las. Ainda foi imortalizado no importante livro “Cinema na Paraíba”, de Wils Leal.

Anos mais tarde (2000) retornou ao Programa do Jô para conhecer, conversar e debater com Anthony Quinn, um dos melhores atores de cinema de todos os tempos. Ele considera o encontro com o mítico ator o grande acontecimento da sua vida de cinéfilo. Causou impressão excelente quando o surpreendeu com um fato da carreira dele desconhecido da maioria. O ator, por sua vez, ficou admirado com estupenda memória do fã.

Nos anos que se seguiram ele foi entrevistado por praticamente todos os veículos de comunicação da Paraíba, tornou-se tema de reportagens, passou a constar obrigatoriamente em obras afins, participou como convidado de honra em diversos eventos ligados ao cinema. Suas anotações se tornaram documentos valiosos de pesquisa.

De todas as homenagens que ele recebeu foi marcante ter a própria história de vida narrada no documentário “O contador de Filmes” do cineasta Elinaldo Rodrigues (2010), que pode ser encontrado no youtube. No curta aparecem as imagens da sua trajetória com o cinema, com a preciosa participação de Picuí e de picuienses como coadjuvantes. Foi mostrado o local aonde um dia funcionou o Cine Guarany, a casa onde ele nasceu e viveu além do deslumbrante crepúsculo picuiense.

Quando se divorciou, passou a residir sozinho e montou uma moradia contendo tantos discos e fitas de vídeo que alguém chamou de “casa-cinema” onde habitava um “homem-ilha”. Nesse ambiente ele via filmes e lia muitos textos sobre filmes, atores e diretores. Tinha especial interesse em saber o título original dos filmes e sua adaptação para a língua portuguesa. Era comum seus olhos atentos encontrarem erros nos textos dos críticos mais conhecidos.

Sempre resistiu às mudanças trazidas pela tecnologia, mas

acabou sucumbindo. Em 2015 afirmou em entrevista que já não ia mais ao cinema, pois preferia ver os filmes em casa. Quando mudou de residência em 2019 se desfez de quase todas as suas fitas de vídeo. Contou que não foi sem sofrimento os descartes, mas ponderou que todos os filmes importantes estavam anotados em seus inúmeros cadernos e devidamente fixados em sua memória.

Podemos dizer que ele respira cinema, pois até os nomes dos seus filhos Elvis (Presley), Vanessa (Redgrave) e Maxilian (Schell) foram homenagens às estrelas da telona. Como um jornalista uma vez escreveu, “para ele a vida é um cinema, onde o filme passa todos os dias! Mas nem tudo é perfeito para um cinéfilo, pois o excessivo número de faltas motivadas pelas idas às sessões provocava repetições de ano que impediram sua entrada na universidade. Ao se tornar adulto precisou trabalhar e começou a exercer inúmeras funções em casas comerciais, como os vinte anos passados na tradicional loja pessoense Eletropeças. Chegou inclusive a se mudar para Sousa, onde podia ser encontrado numa conhecida loja de discos.

O cinema durante muitos anos foi o único tipo de diversão das cidades pequenas. Mas não era um lazer qualquer, porque um filme é capaz de mexer com o pensamento crítico, enriquecer o diálogo, permitir a transição por diferentes campos sociais e até mesmo fortalecer o gosto pela arte. Todos estes benefícios moldaram o caráter de Ivan Araújo Costa que, mesmo tendo como único objetivo assistir filmes, enriqueceu sua existência através de experiências inesquecíveis que enchem de orgulho os seus patrícios de Picuí.

Por Alisson Pinheiro

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