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Mais da metade dos desalojados pelas chuvas deixaram os abrigos no RS; 32% dos locais fecharam



Abrigo montado pela prefeitura de Novo Hamburgo no mês de maio(MISTER SHADOW/ASI/ESTADÃO CONTEÚDO — 14.05.2024)

Um levantamento realizado pelo blog Por Dentro da Notícia revela que 32% dos postos de abrigos temporários abertos pelas prefeituras de Porto Alegre e municípios de todo o estado foram fechados. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social, o Rio Grande do Sul chegou a ter 875 abrigos. Hoje, 592 continuam ativos.

Desde o início da cheia, quase 44 mil pessoas deixaram os pontos emergenciais montados para receber os desalojados. Cerca de 37 mil pessoas ainda seguem em abrigos. Em nota ao blog, a Secretaria de Desenvolvimento Social informa que “quando a água baixa, há um movimento natural de retorno das famílias para as suas casas.”

Ademir Duarte Marques, de 34 anos, voltou, neste domingo, para casa com a mulher e os dois filhos, de 5 e 15 anos, porque recebeu a notícia de que o abrigo em que estava na cidade de Alvorada iria fechar. Ele e a mulher são catadores de material reciclável e perderam tudo na tragédia. “Tivemos que limpar tudo, estamos arrumando aos poucos”, disse Ademir que vai recomeçar do zero.

Já a família de Fábio Edis da Silva não teve a mesma opção. Eles moram na Ilha da Pintada, em Porto Alegre. A ilha continua alagada, sem perspectiva de quando a inundação vai ceder. No abrigo na cidade de Alvorada, região metropolitana da capital, eles têm uma rotina angustiante. A mulher dele, Bebiana Souza, de 43 anos, e o filho Brian, de 7, fazem parte das mais de 37 mil pessoas que ainda dependem desses pontos emergenciais.

“Eu acordo às 7h00 da manhã, ajudo a limpar o salão, banheiros e, depois, também ajudo com o café da manhã. Às 14h00, começa o almoço. Às 21h00, é o jantar, e uma hora depois o toque de recolher”, diz Bebiana.

Uma rotina repetida dia após dia de quem depende de ajuda. “As doações diminuíram, as coisas - como, por exemplo, cobertor - não estão chegando mais... Mas não tenho casa, não tenho como reclamar”.

Eles estão sem trabalho. O casal vivia da pesca artesanal, mas a cheia do Lago Guaíba ainda impede a retomada da atividade. Bebiana e Fabio também convivem com a ameaça do abrigo fechar e eles não terem para onde ir. Procuramos a prefeitura de Alvorada sobre o fechamento do abrigo Campo Branco e o destino dos abrigados, mas até o fechamento dessa edição não tivemos retorno.

A situação como a de Bebiana e Fabio é a mesma de milhares de pessoas que foram forçadas a se mudar por causa de tragédias climáticas. Um mês depois, a comoção diminuiu. Isso é fato. E a lei internacional não protege os refugiados do clima.

A professora em Direito Internacional da Universidade de Passo Fundo, Patrícia Grazziotin Noschang explica que já há documentos da ONU que tem a previsão para migração por desastres naturais, mas o que vale são os tratados internacionais.

Fabio, Bebiana e Brian não têm para onde ir se o abrigo fechar(ARQUIVO PESSOAL)

Os desalojados no Rio Grande do Sul são enquadrados como “deslocados em razão das mudanças climáticas” pela Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados. Na prática, isso significa que milhares de pessoas obrigadas a sair de suas casas por causa das mudanças climáticas ficam desprotegidas.

A Convenção de Refugiados de 51 oferece proteção às pessoas que fogem de guerras, conflitos ou perseguições relacionados à violação dos seus direitos e cruzam a fronteira internacional em busca de proteção e não é o caso da população gaúcha. “Já por duas vezes se tentou aprovar uma Convenção sobre as Pessoas Ambientalmente Deslocadas, porém não foi adiante”, diz a especialista.

E o que mais preocupa nesse momento. O drama das famílias afetadas não comove mais como no início. Há uma normalização da situação para quem acompanha os desdobramentos de longe. Por isso, o trabalho de agências como a Acnur em emergências como essa é essencial. Agentes do alto comissariado da ONU atuam como convidados em ações nos abrigos coletivos, principalmente, para a prevenção de questões relacionadas à violação de direitos dos abrigados.

“Atentamos a pessoas com deficiência, crianças separadas ou desacompanhadas de seus pais. A gente também tem atuado na perspectiva de documentação dessas pessoas porque é um elemento básico”, afirma Miguel Pachioni, porta-voz da Acnur, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados.

Os documentos permitem o acesso ao repasse de recursos e de serviços públicos do Estado. Só a Acnur irá disponibilizar ao governo do RS e ao governo federal 50 toneladas de donativos vindas de 3 países, além de 200 casas para abrigos temporários, kits de higiene, tela anti-mosquito e lâmpadas solares. Será o mais próximo de um lar que os gaúchos que dependem de terceiros terão por muito tempo. Não podemos esquecer que a reconstrução, para muitos, será do zero.

Fonte: R7